Entrevista: Ela Continua Incomum (New York Times 08/03)
Cyndi Lauper pode falar debaixo d'água e com bolas de gude na boca. Especialmente tratando-se de aparências. "The Moment" teve um tempo com a amável diva eloquente para conversar sobre suas "desventuras" no estilo e seu recente projeto como modelo da M.A.C. e porta voz para a causa da AIDS.
P. Entrevistar você me lembra uma frase do filme de Gene Tierney "Belle Star", quando a camareira fala: "Ela é o que os caras chamam de lenda viva". Você é uma lenda viva! Me diga, o que anda fazendo no momento?
R. Obrigada. Bem, estou trabalhando num novo CD, mas toda hora que eu abro a boca em uma entrevista eu digo isso, eu estou compondo a música para "Kinky Boots" onde Harvey Fierstein, Jerry Mitchell e Daryl Roth vão levar a Broadway. Estou muito empolgada, pois é a primeira vez que faço algo do tipo.
P. Então chega de "Aprendiz Celebridades"?
R. Sim, mas foi uma coisa legal de ser feita. Eu sempre serei grata que eu tive essa chance de representar a Fundação True Colors e falar sobre os direitos civis dos gays, lésbicas, transexuais e bissexuais. Não que eu tenha faturado muito dinheiro com isso, mas eu pude trazer essas questões em destaque. Eu não posso evitar - sempre serei uma tagarela.Vamos ver, eu também assinei com Mark Burnett Productions para fazer um reality show. Ainda é cedo, mas eu com certeza quero fazer algo relacionado à comédia. Ninguém quer que eu seja séria, inclusive eu mesma.
P. De acordo com Linda Evangelista do mundo pop, você deveria esta no "Shear Girls". Na verdade eu estou supreso que você ainda tenha cabelo, depois de tanta química que você colocou nele.
R. Eu sei. Não está tão claro quanto antes por que quebrou. Então eu parei de colorir por um tempo e só estou usando tinta no momento, mas eu tenho que dizer que estou cansada de ser tão amena. Eu tenho um aplique para quando eu saio com pessoas normais, para que elas não fiquem desconfortáveis por eu ter uma cor "Day-Glo" em algum lugar do meu cabelo. Eu posso parecer normal mas todo dia quando eu olho no espelho eu tenho que me sentir bem. E esse look conservador está me matando.
P. Amena e conservadora? Essas são as últimas palavras que eu faria associação à alguém conhecido por impor seu próprio estilo. Você agora está como modelo para M.A.C. - Qual a importância disso pra você?
R. Primeiro de tudo, a Fundação M.A.C. AIDS é muito importante para mim. Está fornecendo milhões para organizações globais que possuem programas exclusivos para ajudar mulheres com H.I.V./AIDS. Mulheres são muito mais vulneráveis - socialmente, financeiramente e biologicamente - se tratando de sexo sem proteção. Como mulher, você sempre tem que fazer uma negociação com o parceiro para usar camisinha. Então é claro que eu fui de braços abertos para estar envolvida nessa causa. Mas numa observação mais fútil, maquiagem também é muito importante para mim. Eu tenho uma maleta cheia de maquigem. Eu lamento ter apenas um rosto para maquiar. Se você me visse sem maquiagem você não me reconheceria. Graças a Deus. Eu sempre estou pesquisando também. Assim como eu sou obcecada pela história da moda, eu amo ler sobre a história da maquiagem.
P. Quando você estava construindo sua imagem nos anos 80, no que você se inspirou? Teve algum ícone do glamour em particular que fez você pensar, "Hmm, eu gosto desse visual, então vou multiplicá-lo inúmeras vezes?"
R. Dependia do ano. No começo, era mais guerra de tinta e looks nativo-americanos ou basicamente qualquer coisa para introduzir esse novo "tipo" na sociedade. Você não gosta, bom, espere, deixe-me colocar algo mais que vai realmente chamar sua atenção. Então nos anos 85-86 eu estava procurando por livros antigos e glamorosos de Hollywood, e comecei a incorporar os looks antigos hollywodianos no que eu estava fazendo.
P. Eu me lembro de uma foto de capa incrível tirada por Matthew Rolston, que marcou bem essa sua transição de estilo. Eu acho que você usava um lustre na cabeça.
R. Não era um lustre. Era um acessório inspirado na namorada de Rudolf Valentino... não lembro o nome dela.
P. Nazimova?
R. Sim, ela mesmo. Foi inspirada numa foto dela. Eles tinham uma roupa que ficaram parecendo cortinas em mim, e eu não uso cortinas, mas eles tinham alugado esse acessório maravilhoso para o cabelo. E meu estilista pessoal tinha várias coisas do tipo, inclusive um sutiã de metal, que me lembrou Theda Bara, então eu o usei também. Eu fui muito influenciada pelas mulheres dessa época e suas maquiagens.
P. E quanto às suas contemporâneas da época?
R. Não, por que eu realmente não me parecia com elas. As mulheres tinham maçãs do rosto muito bonitas, sobrancelhas mais grossas, grandes sorrisos - tudo que eu não tinha. Eu ficava chateada por não me parecer com elas, mas eu encontrei pessoas com o rosto parecido com o meu e como usá-lo. Você pode fazer muitas coisas com um rosto comum e "vazio".
P. E quanto a Madonna?
R. Eu costumava vê-la no começo da carreira. Eu me lembro que da primeira vez que eu a vi, ela era uma garota muito bonita, e estava sentada na rua com um olhar triste e determinado. Ela era adorável, mas eu não diria que a gente se inspirou uma na outra.
P. Me corrija se eu estiver errado, mas você não foi rotulada como a próxima Barbra Streisand?
R. Isso foi quando eu era bem nova. Dá pra imaginar? Eu estava na onda Ramones, The Voidoids e Deborah Harry...
P. Que também era obcecada pelas divas do cinema, especialmente Marilyn.
R. E Brigitte Bardot. Debbie foi a primeira a adotar o lance "pinup girl" e incorporá-lo ao punk. Você também tem que entender as misturas das influências musicais do momento. Havia uma estação de rádio - eu gostaria de poder me lembrar do nome - e eles tocavam todas as músicas do momento junto com Ronettes, e o antigo Elvis Presley com o novo Elvis Costello. Com as fusões musicais, iam surgindo novos estilos.
P. Você fala muito sobre o visual retro-glamour. Algum em particular que tenha chamado sua atenção?
R. Eu gostava de tudo, mas eu sempre gostei da idéia de criar meu próprio look, então eu usava salto alto e calça capri, uma combinação que ninguém usava no momento. Depois eu usaria um top dos anos 40 que meio que não combinava com meu cabelo ou qualquer outra coisa. Eu experimentava de tudo. Uma vez eu estava descolorindo meu "bigode" e de repente eu tinha um cabelo de duas cores. Eu nunca soube quando parar.
P. Nas passarelas, ocorrem muitas referências ao seu auge dos anos 80. Você já se sentiu nostálgica por esse tempo?
R. As vezes, mas na maioria das vezes eu gosto da recordação. Os anos 80 foi um período de muita criatividade e luta. Lembre-se que foi um período do ultraconservadorismo e por isso precisava de pessoas corajosas para avançar posivitamente nesse quadro. Quando eu vejo "glam retrô" agora, é normalmente conservador. Todo mundo parece que está indo ao Oscar ao invés do Grammy.
P. Como você se sente quando você se vê na lista das mais mal-vestidas da semana?
R. Há dois anos atrás eu fui muito criticada pelo meu "falso moicano". Pessoas fizeram piada sobre isso em programas de comédia. Eu não gosto de ser só mais uma na multidão, então é claro que eles irão fazer piada sobre mim. Eu não ligo.Qualquer pessoa realmente criativa vai acabar em uma dessas listas.
P. Ao falar com Lady Gaga, tive um sentimento que ela realmente se vê como uma obra de arte ambulante. Você acha?
R. Eu a adoro. Ela está vivendo o sonho dela, que eu sou totalmente a favor. Eu não me importo em ser uma obra de arte ou um experimento científico. Acredite, teve uma época que eu era um porquinho da Índia colorido na Vidal Sassoon. Eu ainda quero experimentar coisas novas, qualquer coisa que seja impressionante e pareça de outro mundo.
P.Quem te ensinou a usar maquiagem? Por favor me diga que foi uma Drag Queen.
R. Quase. Na verdade foi minha mãe. E uma mulher do meu bairro em Ozone Park, no Queens, que costumava competir com todas as estrelas do cinema do momento. Eles não chamavam de salão naqueles dias - chamavam de gabinete da beleza - e as pessoas saíam de lá com maquiagem e penteados tão chamativos que nenhuma Drag Queen poderia competir.